quinta-feira, 18 de novembro de 2010

" E la nave va"


Durante o volúvel início do verão de 1914, alguns representantes da alta-sociedade embarcam num estranho cruzeiro: trata-se de ir espalhar as cinzas de uma cantora de ópera ao largo da ilha onde ela nascera. Ao cabo da viagem: o naufrágio, é claro. Sobre esse tema, Federico Fellini construiu um filme precioso. "E la nave va".
O título do filme é quase intraduzível, talvez uma esperança, inelutabilidade, vagas promessas de um dia chegar ao porto, aliás o próprio nome do navio é misterioso: Gloria N., um nome de mulher. Seria uma metáfora?
Esse filme foi a inspiração de Renato Russo ao criar uma linda canção: "Andrea Doria". O que eu mais gostava em Renato era o poder de criação aliado a um grande conhecimento cultural, o cara era tão foda que para cada música havia uma fundamentação mitológica, filosófica ou literária, por isso era considerado o guru de uma geração, aliás foi do filme também que surgiu o desejo de que quando morresse, suas cinzas fossem jogadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, desejo esse realizado.
Sou fã mesmo, não nego. Acho legal escrever sobre as significações de cada canção da Legião.
Para Renato, "Andrea Doria", além do navio que afundou era uma menina. A música é um diálogo entre uma menina cheia de vida, alegria e planos, e que sempre deu força pra ele, mas, naquele instante, ela é quem está derrubada. A música aborda a questão de que quando você entra no mundo adulto, se não tomar cuidado, deixa entrar o cinismo, fica "jaded". E a música é uma conversa em cima disso, e termina justamente falando: "A gente tem toda a sorte do mundo". Renato ainda dizia que Andrea Doria é a mesma coisa de "Será", um jovem que quer mudar o mundo, porque está tudo horrível. Coloca bem a questão da juventude, ter sonhos, fazer planos e esbarrar neste mundo de hipocrisia, de mentira, do capitalismo, de consumismo.
Bom, na verdade escrevi sobre Andrea Doria porque quero dedicá-la a alguém que fez parte da minha vida por algum tempo e que apesar de tudo, aprendemos muito um com o outro, mas assim como Andrea Doria, naufragamos...
A você:

Andrea Doria (Legião Urbana)

Às vezes parecia
Que de tanto acreditar
Em tudo que achávamos
Tão certo...

Teríamos o mundo inteiro
E até um pouco mais
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços
De vidro...

Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente
Quase parecendo te ferir...

Não queria te ver assim
Quero a tua força
Como era antes
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada...

Às vezes parecia
Que era só improvisar
E o mundo então seria
Um livro aberto...

Até chegar o dia
Em que tentamos ter demais
Vendendo fácil
O que não tinha preço...

Eu sei é tudo sem sentido
Quero ter alguém
Com quem conversar
Alguém que depois
Não use o que eu disse
Contra mim...

Nada mais vai me ferir
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada
Que eu segui
E com a minha própria lei...

Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também...

2 comentários:

  1. Oi Cris! Faz tempo que não nos falamos hein! Tô gostando de ver, voltou a escrever novamente e bem como sempre. Você tem uma escrita que me agrada muito, carregada de emoção. Também sou muito fã da Legião. E esta canção que você resgatou veio a calhar...
    Bjs e fique bem

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  2. essa musica ...
    tem gosto de porta de colegio de ensino medio dia de sexta feira qnd a acustica do violão clamava o diretor por uma advertencia.
    era a carta e aforria.

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